segunda-feira, 15 de junho de 2009

Contributos para a construção de uma escola democrática, a proposta de Paulo Freire


FREIRE, P. (1999). A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez editora.

Palavras-chave: escola democrática, educador progressista, administração democrática, “mudar a cara” da escola, educação "bancária", conscientização, inclusão.

A obra de Paulo Freire “A Educação na Cidade” tem o formato de “livro falado”, pois a forma como o pedagogo difunde o trabalho implementado na secretaria de educação da cidade de São Paulo, de 1989 a 1991, é através da compilação de várias entrevistas realizadas no decurso do seu trabalho enquanto administrador público. O objectivo central da sua acção foi o de “mudar a cara” da escola, isto é a edificação de uma escola democrática e inclusiva. Freire clarifica as finalidades, objectivos e metas a cumprir durante o período de exercício do cargo, defendendo que não se pode construir uma escola democrática, no sentido de inserção das camadas populares, sem uma postura de diálogo de baixo para cima. Segundo o pedagogo brasileiro, a escola democrática não se constrói com “pacotes” legislativos, mas sim através do diálogo entre todos os seus intervenientes. Ao longo das várias entrevistas Freire explica-nos o seu método de trabalho: diagnóstico da situação dos equipamentos escolares do município, construção de metas de curto, médio e longo prazo, criação de equipas de trabalho focalizadas na resolução de problemas urgentes; diálogo com especialistas académicos de diversas áreas do conhecimento, conclusões dos trabalhos realizados com objectivos diversos: preparar o diálogo com os docentes, construir objectivos/finalidades comuns, reformular o currículo e a formação permanente dos professores; auscultação de todos os intervenientes na escola: auxiliares, pais, alunos, etc., pois a inclusão destes actores só é possível através da inquirição das suas expectativas e críticas face às disfunções da escola. Contudo, conhecer as causas da exclusão não equivale a entrar em conflito com os diversos protagonistas, segundo Freire, para “mudar a cara” da escola é necessário trabalhar em todas as frentes, com e não contra os interlocutores.
A possibilidade de pôr em prática um ideal de escola democrática e popular deverá ter sido um amplo desafio para o pedagogo brasileiro, alguém que traçou o seu trajecto biográfico em duas frentes: teórica e prática, pois considerava que o diálogo construtivo entre a teoria e a prática se “iluminam”mutuamente, e por que aprender a pensar a prática capacita-nos para outras racionalizações, porventura teorias que possam entender outras práticas.
A acção de Paulo Freire no município de São Paulo foi, assim, uma oportunidade de comprovar a sua teoria de base de que é possível uma educação democrática para todos, sendo necessário reformular não só o corpo, mas também a alma da escola. A escola e o educador progressistas são duas realidades que deverão caminhar par a par, com a contribuição de todos os intervenientes. Na verdade Freire diagnostica assim os principais problemas da escola pública e as razões que provocam a exclusão das camadas populares: interiorização de menosprezo devido à degradação da “coisa pública”, modelo pedagógico desadequado à heterogeneidade dos educandos, desvalorização do “saber de experiências feito”, inadequação dos critérios de avaliação, desfasamentos linguísticos, linguagem oral em confronto com a linguagem escrita, preconceitos sociais instalados nas estruturas da sociedade resultantes de solidariedades paradoxais, autoritarismo e educação “bancária”, consciência ingénua face às finalidades dos conteúdos do currículo, ausência de desvendamento do currículo escondido, desvalorização do saber pelas classes populares, o que contribui para a sua exclusão, por exemplo do mercado de trabalho qualificado, o que traça as diferenças fundamentais entre o “sobreviver e o viver bem”. Apesar de a educação não ser o único passaporte para as “mudanças estruturais da sociedade”, não poderá descurar a sua finalidade de transformação política e de conscientização das camadas populares, no sentido em que é através da luta colectiva que se alteram realidades que obstaculizam acessos a uma vida digna. As bases da pedagogia da conscientização e, consequentemente, do educador progressista, são: saber, mas acima de tudo “pensar certo”, “conscientizar-se” é saber que políticas são levadas a cabo, a favor de quê e de quem são implementadas, contra o quê e contra quem se realizam, isto é ensinar conteúdos, implica uma leitura crítica e desocultação da realidade. Falar de educação neutral é, por tudo isto, um paradoxo que deverá ser, acima de tudo, desvelado e amplamente problematizado.
Os principais problemas que contribuem para a construção de uma escola debilmente democrática e inclusiva parecem-nos os seguintes: tradição de regulamentação excessiva da escola, imposição de normativos e “pacotes” legislativos, formação permanente de professores deficiente face à heterogeneidade dos educandos, ténue reflexão sobre a prática docente, discursos continuados de reforma da escola, contributos perversos da comunicação social através da valorização exagerada de relatos de casos negativos, contribuindo para a desmotivação e, consequente, crispação entre os diversos interlocutores da escola (professores, directores, auxiliares, pais, outros parceiros), fragilidade na actuação estratégica e no combate às verdadeiras causas que provocam a exclusão dos educandos. Face ao exposto, poderá a municipalização ser um desafio para as dificuldades da escola? Tal como diz Freire a municipalização da escola poderá ser uma oportunidade para a construção de uma escola democrática, desde que não seja entendida como desobrigação do Estado face à educação, caciquismo ou focalismo. Para o pedagogo brasileiro, tanto o caciquismo das lutas políticas, como as práticas focalistas não estão à espera da municipalização para existirem. E quanto à cooperação internacional? Ela será bem-vinda quando seja sinónimo de diálogo construtivo e não como “cooperação” como moeda de troca em prol da ajuda que possa vir a subsidiar.

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