domingo, 13 de dezembro de 2009

Apocalipses

Alguns pontos para alargar a discussão de Bruno Reis n'A Regra do Jogo.

1 - Hegemonia e crença - adapto a solução teórica de Kuhn, pois parece-me interessante. Uma teoria só poderá tornar-se relevante qdo consegue tornar-se hegemónica. A criação de uma hegemonia demora décadas e vai minando o campo da hegemonia dominante, contudo consegue impor-se pq a sua rival entra em decadência. A hegemonia q pretende impor-se só ganhará relevância global qdo agrega em si uma constelação de hegemonias, estas aliam-se para derrotar a rival. Quando a nova hegemonia se impõe a sua implementação não é "pura", pois para ganhar os contornos de hegemonia terá de ir realizando negociações com os diversos interesses em jogo. Assim, uma hegemonia transporta sempre em si ideologias díspares, assentes em crenças de modelos de sociedade, por exemplo. Os argumentos dos cépticos neoliberais de que o ambiente assumiu contornos de crença religiosa serão facilmente rebatidos com a seguinte pergunta: e a ideologia do mercado será ou não uma crença?
2 - A causa ecológica é uma tentativa bem concertada de regular as relações com a Natureza e, indirectamente, regular a "gula" destruidora (ambientalmente falando) da acumulação. Os cépticos poderão apresentar argumentos científicos, mas os factos estão aí: rios poluídos, excesso de poluição nas cidades, ordenamento do território caótico, catástrofes ecológicas, etc. É uma espécie de mudança de rota do sistema, mais amigável ao ambiente e à Natureza, logo uma relação mais amigável entre os seres humanos. É este tipo de relação q estabelecem os pós-marxistas ambientalistas actuais, por exemplo.
3 - Não poderemos continuar a concentrarmo-nos em grandes zonas urbanas e a abandonarmos à sua sorte as populações do interior. Não deveremos continuar a apostar em modelos de desenvolvimento q privilegiam grupos económicos, para q estes grupos consigam impor-se na economia global, logo possibilitem uma outra capacidade de negociação aos Estados nacionais, como defende a teoria do sistema mundo de Wallerstein. Não deveriamos continuar a adoptar soluções "assistencialistas" face aos problemas do desemprego, por exemplo.
4 - O desenvolvimento deverá ser pensado de uma outra forma, isto teria sido tudo possível caso o autismo da hegemonia anterior tivesse dado ouvidos a certas vozes da sociedade. Poderia ter dado ouvidos? Não me parece. A ideologia neoliberal pretendeu fazer crer q o capitalismo desregulado era a melhor forma de criarmos uma sociedade mais desenvolvida, com mais igualdade de oportunidades e mais justa, uma espécie de adopção de Adam Smith esquecendo ostensivamente a sua filosofia moral. Se podermos competir todos teremos acesso aos nossos minutos de sucesso. Queremos nós uma sociedade altamente competitiva, concentracionária, egocêntrica, individualista em que só "sobrevivem" com dignidade os "melhores"?
5 - Factos decorrentes da actuação da hegemonia anterior e q destruiram algumas questões positivas da sociedade portuguesa. Pq foi necessário destruirmos a agricultura familiar e constactarmos agora o agravamento da exclusão social e do desemprego? Pq teremos ficado indiferentes a uma relação explosiva: exclusão escolar, baixa qualificação de grande percentagem da população e opções de desenvolvimento assentes em baixos salários? E agora quando esta população está desempregada, é pouco qualificada, vive nas cidades e aumenta a dependência social face aos subsídios estatais deverá ser responsabilizada hipocritamente pela adopção de um modelo económico cuja forma de actuação flexível dos últimos anos destrói postos de trabalho(CDS)? Como sobrevivem as PME's num mercado internacional em q o seu papel é reduzido à "intermediação" e à vontade dos monopólios das grandes marcas (ao q parece agora cada vez mais a marca branca)? Teremos de continuar indiferentes à criação de uma sociedade em que os imperativos da economia são a matriz das lógicas de acção do Estado? Não existem outras formas de podermos viver respeitando as necessidades das populações, e um desenvolvimento q relacione a natureza com a sobrevivência digna das comunidades?
7 - As hegemonias teóricas não resistem às distorções a q a mesma vai sendo sujeita na sua adaptação às distintas lógicas de acção e aos interesses em jogo. Assim, teremos de esperar para ver, mas enqto esperamos não me parece de todo desinteressante podermos partilhar uma crença: o mundo será certamente melhor se a Natureza for uma entidade respeitada por todos.
8 - A desregulação do uso da Natureza permite usá-la, por exemplo, para o usufruto paradisíaco de grandes áres em zonas geográficas conhecidas pela grande concentração de pobreza e miséria, os Resorts são disso o exemplo mais escandaloso, chocante e desumano. Obviamente que o argumento liberal de que tal complexo turístico permite uma melhoria de vida das populações nativas é difícil de ser contrariado. Enfim, a ideia liberal de uma sociedade é uma luta de interesses em q ganha o melhor, é altamente atraente e utópica para todas as classes sociais, nunca se sabe qdo poderá chegar a "nossa" oportunidade.
9 - O cansaço da maioria da população em relação às ideologias, em tempos uma solução interessante face à hegemonia anterior (religião), remete-nos para futuros que poderão ser melhores ou piores do que o presente. Pensarmos q não temos nada a dizer sobre isto poderá ser drástico e leviano.

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