Conceitos chave: biopolítica, arte de governar, regime de veridicção, regra do jogo, neoliberalismo, liberalismo, Sociedade Civil, Ordoliberalismo, Capital Humano
Michel Foucault foi um dos grandes pensadores franceses da área das ciências sociais e humanas do século XX. O Nascimento da Biopolítica pertence a um dos cursos de Michel Foucault no Collège de France, de Janeiro a Abril de 1979. É uma reflexão teórica sobre a arte de governar liberal (séculos XVIII - XX), centrando-se nos discursos de teóricos de variadíssimas áreas do pensamento (economistas, sociólogos, filósofos). Se o liberalismo surge como uma nova arte de governar no século XVIII, o neoliberalismo, a sua versão actual, nasceu nos anos 30 do século XX na Alemanha.
Ao que parece as primeiras formulações teóricas do neoliberalismo ocorreram na Alemanha devido a um contexto histórico preciso, II grande guerra mundial e as suas consequências para a Alemanha do pós-guerra, nomeadamente a sua divisão e ocupação pelos aliados. A redefinição do liberalismo se por um lado foi uma reacção aos modelos de Estado totalitários (Estado policial, fascista, estalinista) e à consequente asfixia da liberdade individual, também teve a sua origem numa necessidade particular, não seria possível a reconstrução da Alemanha a partir de um Estado soberano e legítimo. O mercado, a economia, surgiram como soluções de garantia de liberdade económico-política-social dos indivíduos. Sendo assim as continuidades e descontinuidades referentes às distintas contextualizações históricas possibilitaram modelos de neoliberalismo distintos, contudo a sua arte de governar tem características próprias e poderão ser encontradas na Europa, América e outros países que tenham adoptado as permissas do novo modelo económico do livre mercado. A arte de governar do Estado de Direito neoliberal consiste na construção de leis (e ordem económica) para que as regras do jogo no mercado sejam claras e para que todos possam jogar livremente. Tal modelo de Estado potencia um fenómeno de elevada conflitualidade, devido à concorrência e competição incessante dos indivíduos (empresas). As instituições centrais do modelo económico-político neoliberal são assim o aparelho jurídico e o judicial.
Foucault analisa três variantes do neoliberalismo (alemão, francês e norte-americano), apesar de deverem ser compreendidas como casos particulares, aos três modelos correspondem artes de governar em que ao Estado cabe o papel de regulador das regras do jogo do mercado e da livre iniciativa. A regra da lei (rule of law) caracteriza assim a nova forma de governar. Foucault denomina esta nova arte de governar como uma nova versão do sistema capitalista (económico-jurídico).
"(...) [o tipo de sociedade que pretendem os neoliberais] não é uma sociedade sujeita ao efeito-mercadoria, mas sim uma sociedade sujeita à dinâmica concorrencial. Não uma sociedade de supermercado, mas uma sociedade empresa. O homo economicus que se pretende reconstruir não é o homem da troca, não é o homem consumidor, é o homem da empresa e da produção." p. 191
Se nos parecem claros os objectivos e os métodos traçados por Foucault: analisar os discursos teóricos e políticos que possibilitaram o surgimento de uma nova arte de governar, por outro lado a explanação histórica do desenvolvimento do neoliberalismo e as suas articulações com os distintos países sugerem-nos algumas questões que consideramos pouco claras. Ficámos com algumas dúvidas acerca do papel das instituições multilaterais americanas na implementação do modelo de desenvolvimento neoliberal e as suas articulações com as instituições alemãs. Para além de considerarmos insuficiente a explicação assente no facto de Hayek se ter movimentado nos meios académicos da Inglaterra e dos EUA. Não nos parece ser razão suficiente para a divulgação e aceitação das novas propostas.
A obra de Foucault é, no entanto, um contributo fundamental para a compreensão da actualidade, tanto no que diz respeito às actuais propostas teóricas, tanto económicas, como políticas ou sociais. Será viável uma sociedade assente num modelo empresarial? Será viável como articulação da vida em comum? A favor e contra quem se constroem as leis deste modelo social?
Foucault, M. (2010). Nascimento da Biopolítica. Lisboa: Edições 70.
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