As elites liberais procederam assim à implementação de políticas que visavam combater a ignorância e o atraso português, consequentemente assistiu-se à crescente crispação entre os liberais e os distintos elementos da sociedade (aristocracia da corte, igreja católica e restante população), devido à apropriação de bens privados e públicos, estatização e medidas que visaram fundamentalmente implementar de cima para baixo uma determinada cultura em que, por exemplo, o camponês era representado como “um semi-selvagem, incompetente na agricultura, refractário aos deveres cívicos, prisioneiro das mais labregas superstições”. Institui-se assim um mandato de se tratar o povo “como uma criança, a quem a liberdade deveria ser servida em pequenas doses” (Ramos, 2004: 557) e uma espécie de funcionamento monárquico do poder, com uma estrutura semelhante à da antiga monarquia, uma igreja oficial e uma nobreza titular (utilizadas para controlarem as populações) e uma constituição monárquica.
Contudo, a nova lei eleitoral a partir de 1878 amplia o direito ao sufrágio universal a todos os homens adultos chefes de família, o que contribuiu para Portugal ser, à época, “um dos mais vastos corpos eleitorais da Europa, compreendendo 72% dos homens adultos” (Almeida, 1991 apud Ramos, 2004: 559). Contudo o resultado do sufrágio não teve o resultado esperado pelos liberais o que fez regressar aos seus discursos elementos discriminatórios face à restante população, considerada por muitos responsável pela corrupção da cidadania (Ramos, 2004). A desilusão dos liberais face ao sufrágio universal levou-os a considerarem as “condições sociais da democracia e no papel do Estado na criação dessas condições através da educação pública, da segurança social e da regulação do trabalho e da empresa”, no sentido do Estado assistencialista. Surge assim a configuração de um tipo de cidadão cuja independência pessoal assentaria permanentemente, não na propriedade individual, mas no poder do Estado para o assistir. Os cidadãos proprietários rurais cederam lugar aos protagonistas do novo liberalismo uma “classe média composta de funcionários públicos” (Ramos, 2004: 559).
RAMOS, R. (2004). “Para uma História Política da Cidadania em Portugal”. In Análise Social, vol. XXXIX (172), 2004, 547-569.
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