"Relativamente à criação da Anefa, tivemos um momento importante que foi o programa eleitoral do Partido Socialista, um pacto educativo que procurou remobilizar o conceito e as políticas de educação de adultos. Aquilo que tenho escrito sobre esta matéria é o seguinte: o que foi prometido em termos de programa eleitoral, de discurso governamental, de impacto educativo foi muito mais do que o realizado. A Anefa foi muito menos do que poderia ter sido e há um processo de redução, de estreitamento do potencial que a Anefa poderia ter tido relativamente a matérias que são consideradas essenciais, a lógica de reconhecimento e de certificação de competências e a lógica dos cursos EFA, que são importantes, que têm potencial, mas que deixam de parte um conjunto vastíssimo de outras áreas de educação de adultos que, à primeira vista, se admitia estivessem dentro. Os primeiros documentos falam em educação de base, educação e desenvolvimento local, falam em articulações com o ensino recorrente (nunca percebi porque é que a Anefa não tinha funções ao nível do ensino recorrente), toda aquela ideia de que era preciso uma Agência, um Instituto que tivesse uma visão global e fosse responsável por propor ao governo uma política pública de educação de adultos. Chegámos a pensar que a Anefa poderia ser essa realidade, mas muito cedo se concluiu que não havia condições para que fosse e, portanto, a aposta não ia nessa direcção. Ao não ir, deixou várias promessas eleitorais por cumprir e, de certa forma, estreitou o que se estava a pensar fazer; porque depois a educação de adultos foi articulada com a educação e a formação de adultos. Os primeiros documentos desta matéria falam de uma ANEA – Agência Nacional de Educação de Adultos, a formação vem depois. Creio, independentemente disto, que o que foi realizado pela Anefa tem grande potencial. Há dimensões que me preocupam, há críticas a fazer, mas a própria Anefa fragilizou-se e foi fragilizada a partir do momento em que fez pontes privilegiadas com certos sectores e não outros. Foi incapaz de reivindicar mais áreas de actuação e mais competências nessas áreas, nunca saiu do regime de instalação mesmo nos dois governos do Partido Socialista. Portanto, a vida foi muito facilitada a qualquer novo poder que quisesse extinguir a Anefa. A extinção da Anefa é quase uma fatalidade relativamente a uma mudança de governo e a um programa político que não entende que a educação de adultos é uma prioridade e entende, de novo, que a formação profissional é a chave de todos os problemas. A própria actuação da Anefa e o projecto político do Partido Socialista para a Anefa fragilizaram-na.A história dos últimos 30 anos mostra que é isso que acontece ciclicamente na educação de adultos. Há bons projectos, mas depois há uma incapacidade de os levar à prática.A questão é grave, porque, sendo uma questão política, infelizmente, não é político-partidária, há um consenso dos grandes partidos que invariavelmente vão estando no poder sobre a falta de relevância da educação de adultos. Temos um capital de ideias, de experiências, de estudos, ao longo destes 30 anos, que daria para ter feito políticas interessantíssimas sobre educação de adultos em Portugal, os documentos sobre relatórios da comissão de reforma que coordenei com o Alberto Melo e com outros colegas são uma carta de intenções do Estado que, se o governo quisesse ter posto em prática, nos poderia ter conduzido a outra situação. Encarei a extinção da Anefa com grande naturalidade, porque esperava que isso acontecesse. O mais grave é que a Anefa já era uma estrutura que se caracterizava por um certo reducionismo do conceito de educação de adultos, a situação piora a partir do momento em que é extinta e é integrada numa Direcção-Geral de Formação Vocacional. Leia-se a Lei Orgânica do Ministério da Educação para se perceber que aquela Direcção-Geral não tem nada a ver com a educação de adultos. Tem a ver com formação profissional, escola profissionais, até de jovens, não fala em educação de adultos em parte nenhuma, a palavra-chave é formação vocacional, que aliás não se sabe muito bem o que é, um neologismo, uma importação que não tem nada a ver com a tradição e com o sistema educativo português. Para os adultos, não faz sentido nenhum."
Fonte
Sem comentários:
Enviar um comentário